Ad Sollicitare
Não basta adquirir sabedoria;
é preciso, além disso, saber utilizá-la.
Marco Túlio Cícero
Advogado e Filósofo

Código Civl


LIVRO II – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
TÍTULO I – Das obrigações em geral
CAPÍTULO II – Fontes das obrigações
SECÇÃO V – Responsabilidade civil
SUBSECÇÃO I – Responsabilidade por factos ilícitos

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Artigo 485º
(Conselhos, recomendações ou informações)

 1. Os simples conselhos, recomendações ou informações não responsabilizam quem os dá, ainda que haja negligência da sua parte.
2. A obrigação de indemnizar existe, porém, quando se tenha assumido a responsabilidade pelos danos, quando havia o dever jurídico de dar o conselho, recomendação ou informação e se tenha procedido com negligência ou intenção de prejudicar, ou quando o procedimento do agente constitua facto punível.

A regra de que os simples conselhos, recomendações ou informações não responsabilizam quem os dá, ainda que haja negligência da sua parte, tem sido alvo de propostas doutrinárias de interpretação restritiva através do distinguo – assente no facto de a desresponsabilização se reportar apenas a simples conselhos, recomendações ou informações – entre indicações circunstanciais que não criem uma situação de confiança numa pessoa normal e os verdadeiros conselhos, recomendações ou informações, no quais os seus destinatários acreditem e sejam susceptíveis de determinar uma actuação.

A obrigação de dar o conselho ou a recomendação ou prestar a informação pode ser objecto de um contrato dirigido especificamente ou exclusivamente a esse fim, contrato que, sendo atípico, se resolve num contrato com função de troca para a prestação de serviço, cujo regime é dado pelo do contrato de mandato.

Numerosas figuras contratuais não primariamente destinadas à obtenção de conselho ou informação, implicam também o seu fornecimento, na qualidade ou na veste de deveres de prestação acessórios; mesmo que essas espécies contratuais não englobem ab initio nos deveres de prestação principais ou acessórios, também durante a fase de execução do contrato, orientada de acordo com o princípio da boa fé – onde se insinua um espírito de cooperação – podem surgir deveres de aviso, esclarecimento ou conselho.

A prova da ilicitude do conselho, da recomendação ou da informação danosa, e da culpa do dador do conselho, da recomendação ou da informação – se não foram prestadas no cumprimento de um dever, principal ou acessório, de origem contratual – compete ao lesado.

Os actos próprios dos Solicitadores e dos Advogados estavam previstos na Lei nº 49/2004, de 24 de Agosto, a qual definia o sentido e alcance dos actos próprios dos Solicitadores e Advogados e tipificava o crime de procuradoria ilícita. 

O artº 7º daquele diploma legal definia que praticava o crime de procuradoria ilícita quem em violação do artº 1º, praticasse actos próprios dos Advogados e Solicitadores e/ou auxiliasse ou colaborasse na prática de actos próprios dos Advogados e dos Solicitadores, sendo punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, sendo que, o procedimento criminal dependia de queixa.  

Nesta factualidade, para além dos lesados, eram titulares do direito de queixa a Ordem dos Advogados (OA) e a Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução (OSAE), tendo também legitimidade para se constituírem assistentes no procedimento criminal. 

O que a sociedade em geral desconhece, ou pelo menos ignora, é que tal criminalização não servia para proteger os profissionais, mas sim para proteger os cidadãos e a sociedade. 

Contudo, este diploma foi revogado com a publicação da lei 10/2024 de 19 de Janeiro, pelo que, doravante, qualquer pessoa/entidade pode prestar estes serviços, ainda que para o efeito não possuam formação superior com conhecimentos e competências técnicas e jurídicas. 

Pese embora muito se pudesse arrazoar quanto aos deveres profissionais a que se encontram adstritos os profissionais, em especial, licenciados em solicitadoria ou advocacia, somos apenas de aqui elencar três características/deveres que, na óptica a que se encontra dirigido o presente escrito, se consideram os mais relevantes.  

Acresce ressalvar que as pessoas ou empresas que pratiquem a procuradoria ilícita, facultando, nos termos preceituados no art. 485º do C.Civ., conselhos, recomendações ou informações, que por manifesta falta de formação jurídica, sem qualquer perícia, se tenham inexactas ou incorrectas, e das quais resultem consequentemente prejuízos para os cidadãos, sobre aquelas pessoas e empresas não impende qualquer obrigação de indemnizar os cidadãos pelos danos causados, não obstante a negligência daquelas.

De acordo com o nº 1 do art. 81º do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), “O advogado exercita a defesa dos direitos e interesses que lhe sejam confiados sempre com plena autonomia técnica e de forma isenta, independente e responsável”. Também nos termos do nº 1 do art 3º do Código Deontológico dos Solicitadores e Agentes de Execução (CDSAE), “No exercício da profissão, o solicitador e o agente de execução mantêm, quaisquer que sejam as circunstâncias, a sua independência, devendo agir livres de qualquer pressão, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional no intuito de agradar ao seu cliente, aos colegas, ao tribunal, a exequentes, a executados ou a terceiros.  

Esta independência é um dos elementos mais relevantes dos profissionais do foro, pois que permite exercerem as suas actividades com a maior liberdade, livres de influências e/ou interesses externos ou ordens/instruções hierarquicamente superiores, sempre de acordo com o interesse dos clientes. 

Ainda de acordo com o exarado nos nºs 1 e 2 do art. 97º do Estatuto da Ordem dos Advogados “A relação entre o advogado e o cliente deve fundar-se na confiança recíproca”, tendo o Advogado o “dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente”.

Também nos termos do nº 1 do art. 5º do Código Deontológico dos Solicitadores e Agentes de Execução “O solicitador e o agente de execução estão obrigados a pugnar pela boa aplicação do Direito, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento do exercício da profissão, sempre no estrito respeito pelos direitos, liberdades e garantias constitucional e legalmente consagrados.” 

Já de acordo com o art. 98º do EOA e art. 13º do CDSAE, caso haja a mínima possibilidade de existir um conflito de interesses, quer a nível de intervenção ou aconselhamento, entre clientes, simultaneamente ou em momentos distintos, deverá abster-se e, em certas circunstâncias, cessar a representação/patrocínio, assegurando desta forma os direitos e os interesses do cidadão.  

Como consabido, o Advogado ou Solicitador é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços (nº 1 do art. 92º do EOA e nº 1 art. 7º e nº 4 do art. 21º CDSAE),  

Existindo este dever “quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, direta ou indiretamente, tenham qualquer intervenção no serviço” (nº 2 do art. 92º do EOA). E abrangendo “documentos ou outras coisas que se relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo” (nº 3 do art. 92º do EOA). 

Este dever apenas poderá ceder em circunstâncias extremamente excecionais e, ainda assim, poderá o Advogado manter o segredo profissional, o que comummente sucede, porquanto tal garantia perante o cidadão consubstancia um dos elementos essenciais para que haja uma abertura perante o profissional e, desta forma, um cabal exercício das suas funções perante e para com este. 

Estes são três singelos exemplos de características que apenas poderão ser garantidas, tanto quanto podem ser, pelos profissionais de foro, pois que consubstanciam deveres cuja violação poderá determinar a aplicação de sanções disciplinares, e que de forma alguma serão asseguradas por qualquer terceiro que pratique atos destes, pois que não se encontram vinculados a estes. 

Sem prejuízo de tudo o que acima foi mencionado, não podemos deixar de frisar que os danos causados por um mau aconselhamento podem ser desastrosos, em dimensões e com consequências inimagináveis pelo cliente. 

Assim, para além do risco de tal suceder ser notoriamente maior quando os serviços são prestados por um indivíduo que não tem competências ou legitimidade para tal, certo é que quem irá ficar a perder será o cliente, pois que dificilmente serão ressarcidos pelos prejuízos causados. 

E isto porque, no âmbito dos actos enquadráveis no art. 1º da Lei nº 49/2004, de 24 de Agosto, serão os profissionais, v.g. Advogados e Solicitadores, que terão seguro contratado que assegure o ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais que resultem de acção ou omissão e que desses danos sejam causa ilícita e culposa, de forma que fiquem salvaguardados, dentro do possível, os direitos dos clientes. 

De frisar que, com excepção das situações em que o indivíduo se apresenta como um falso profissional, arrogando-se de Advogado ou Solicitador sem que assim o seja – enganando e defraudando as legítimas expectativas do cidadão, estes criminosos apenas poderão perpetuar a sua actividade se o cidadão solicitar ou aceitar os seus serviços. 

Para tanto, deverão os cidadãos em momento prévio à contratação dos serviços averiguar se o profissional se encontra registado na respectiva Ordem, acedendo no caso dos Advogados ao link https://portal.oa.pt/advogados/pesquisa-de-advogados/, e no caso dos solicitadores ao link https://manuais.osae.pt/procurar-um-solicitador.html  

Por outro lado, deparados com a prática de um crime de procuradoria ilícita deverão contactar cdapas@cg.oa.pt ou o Ministério Público, para efeitos de cumprimento do disposto nos nºs 1 e 2 do art. 247º do CPP, porquanto se trata de um crime particular/dependente de queixa, nos termos do disposto nos n.ºs 2 e 3 da Lei nº 49/2004, de 24 de Agosto. 

A definição destes actos visa, não um exclusivo de mercado, mas a salvaguarda dos direitos e interesses dos cidadãos. Esta salvaguarda decorre também de os advogados e solicitadores estarem sob a tutela da respectiva Ordem, com competência fiscalizadora e disciplinar. Além disso, é obrigatório haver um seguro de responsabilidade civil profissional, de que podem beneficiar os respectivos clientes. 

Quem opta pelos serviços de quem não está habilitado entrega-se a meros “habilidosos”, colocando em risco os seus direitos e interesses. No fim, ainda tem de recorrer a um advogado, não já para se aconselhar ou evitar um problema, mas para remediar estragos causados. 

A autêntica cidadania supõe conhecimento, informação e aconselhamento. Só assim os cidadãos podem defender os seus direitos adequadamente e agir perante quaisquer entidades, sem estarem diminuídos ou condicionados. 

Consideram-se actos próprios dos Advogados e dos Solicitadores, desde que sejam exercidos no interesse de terceiros e no âmbito de actividade profissional: 

– a consulta jurídica;

– o exercício do mandato forense (em sentido amplo) com representação, para a prática de atos jurídicos, judiciais e/ou extrajudiciais, de natureza contenciosa e/ou não contenciosa, em nome e por conta do cliente;

– a elaboração de contratos e a prática dos atos preparatórios tendentes à constituição, alteração ou extinção de negócios jurídicos, designadamente os praticados junto de conservatórias e cartórios notariais;

– a negociação tendente à cobrança de créditos;

– o exercício do mandato no âmbito de reclamação ou impugnação de atos administrativos ou tributários. 
(art. 1º, nºs 5, 6 e 7 e arts. 2º e 3º, todos da Lei dos Actos Próprios dos Advogados e Solicitadores – Lei 10/2024 de 19 de Janeiro) 

Exclusividade tendencial do Advogado e do Solicitador para o exercício da consulta jurídica e do mandato forense: 

O profissional por excelência habilitado à prática da consulta jurídica e do mandato forense é o Advogado ou Solicitador devidamente inscrito como tal (como Advogado ou Solicitador) na Ordem dos Advogados ou dos Solicitadores; com efeito, o Advogado ouo Solicitador: 

– está vinculado a deveres deontológicos muito rigorosos, nomeadamente, o dever “sagrado” de segredo profissional, o dever de não atuar quando ocorre uma situação de conflito de interesses, o dever geral de lealdade para com o cliente, etc…

– encontra-se sujeito a responsabilidade disciplinar (perante a Ordem dos Advogados ou dos Solicitadores), responsabilidade civil (obrigação de indemnizar os danos causados) e até, nalguns casos, responsabilidade criminal (por exemplo, por violação do dever de segrego profissional) pela violação dos seus deveres deontológicos e por todos os danos que causar no exercício da sua profissão;

– terá, em princípio, o apetrechamento técnico, científico e prático necessário para o fazer (o Advogado e o Solicitador devidamente inscritos, respectivamente, na Ordem dos Advogados e na Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução, têm que ter, pelo menos, o grau académico de Licenciado em Direito ou Solicitadoria e têm que obter aprovação no exame de agregação das respectivas Ordens – na prática, aproximadamente 50% dos candidatos chumbam neste exame). 

“(…) O art. 485º do Código Civil prevê a responsabilidade de quem dá informações ou conselhos quando, designadamente, haja o dever jurídico de dar o conselho ou informação e o agente tenha procedido com negligência.
 
Embora sediada entre as normas que tratam da responsabilidade civil extracontratual, está-se perante uma previsão de responsabilidade de fonte legal ou negocial, pois que só em tais situações se verificará o pressuposto da existência do dever jurídico.
 
A informação prestada deve ser conforme à verdade e tão completa quanto possível.
Por isso, uma informação objectivamente incorrecta, se for culposamente prestada, gera, para o informante, a obrigação de indemnizar.
 
De notar que, no juízo sobre a incorrecção objectiva da informação não pode deixar de se considerar que a mesma “tem como conteúdo a concepção pessoal do perguntado”. Por isso, quando a informação pressuponha um estudo científico da questão sobre que recai ou um trabalho de investigação intelectual, não pode ser exigida uma absoluta exactidão, pois que está em causa uma obrigação de meios e não de obtenção de certo resultado.
 
Deve, então, o agente “informar-se dos elementos necessários à formação da opinião, e fazer a respectiva aplicação técnica, de acordo com as leges artis, sendo nesta dupla perspectiva que se analisa a exactidão, a apreciar com referência ao momento em que é dada, segundo as informações mais recentes então disponíveis” (A. e ob. cit., 388-389).
 
Se o autor da informação actua de forma leviana e inconsciente, há, seguramente, negligência qualificada, com violação grave dos deveres profissionais.
 
Em qualquer caso, se é cognoscível que a informação é pedida e dada para servir como base de uma decisão, é exigível que nela se ponha o cuidado exigível e adequado à satisfação do interesse visado, impondo-se que sejam “evitadas omissões de factos geradores de uma falsa impressão; Não se podem afirmar como seguros aqueles aqueles de cuja verdade o informante não estava convencido, ou não pode estar convencido se usar um mínimo de reflexão; Eventualmente, as dúvidas devem ser comunicadas”.
 
Com efeito, é geralmente aceite que certas obrigações laterais de prestação de informação possam “resultar da exigência da boa fé, em ligação com os usos do tráfico e o conteúdo concreto da relação contratual”, sendo que deveres desse tipo avultam com particular intensidade “nas relações jurídicas duradouras, que geram uma confiança especial (SINDE MONTEIRO, “Responsabilidade por Conselhos Recomendações e Informações”, 1989, pg. 47).
 
Escreve ainda o mesmo Ilustre Professor (ob. cit., 48) que, quando as informações ou conselhos são prestados, espontaneamente ou mediante pedido prévio, no desenvolvimento de uma relação obrigacional “ou em ligação com o respectivo objecto, existe o dever de os dar com a necessária diligência e cuidado, pelo menos na medida em que a outra parte pode considerar o que informa possuidor de especiais conhecimentos sobre a matéria”.
 
A “conduta leviana, inconsiderada, irresponsável ou grosseiramente negligente poderá traduzir uma indiferença pela verdade, que o juízo de ilicitude seja (…) de afirmar” (SINDE MONTEIRO, cit., 565/6). Em sede prova da violação dos deveres objectivos de cuidado, encerrando ilicitude e culpa, e respectivo ónus da prova, será de referir que, movendo-nos no domínio das obrigações de meios, não bastará a prova da não obtenção do resultado previsto com a prestação, para considerar provado o incumprimento ou o cumprimento defeituoso. É necessário provar que o devedor (médico ou advogado, por exemplo) não realizou os actos em que normalmente se traduziria uma assistência ou um patrocínio diligente, de acordo com as normas deontológicas aplicáveis ao exercício da profissão.
 
Deverá o credor, além de demonstrar a falta de verificação do resultado prosseguido, “individualizar uma concreta falta de cumprimento (ilícita). Dada a índole da obrigação, carece de demonstrar que os meios foram não empregues pelo devedor ou que a diligência prometida com vista a um resultado não foi observada”, de sorte que, em tal tipo de obrigações, terá o credor de identificar e fazer provar a exigibilidade dos meios ou da diligência (objectivamente) devida. “A presunção de culpa tende, portanto, a confinar-se à mera censurabilidade pessoal do devedor”, isto é, a presunção reduzir-se-á à culpa em sentido estrito (CARNEIRO DA FRADA, “Responsabilidade Civil – O Método do Caso”, 81; A. VARELA, ob. cit., 88; ac. de 28-9-2010, desta Secção- proc. 171/2002.S1).
 
Se não está em causa a prestação de um resultado determinado, não será suficiente alegar e demonstrar a sua não obtenção ou a verificação de um resultado diferente do esperado para que exista incumprimento ou cumprimento defeituoso, pois que a violação da obrigação reside sempre na prática deficiente/defeituosa do acto ou na abstenção da prática de actos exigidos pela situação que se coloca. O que se exige, sob pena de violação do dever jurídico que enforma a sua prestação, é que o devedor actue em conformidade com as regras de arte e actue com diligência normal (ac. de 18-9-2007- proc. 07A2334, relatado pelo ora relator).”
 
Fonte: Extractos de um Ac. do STJ, sobre responsabilidade por informações.